terça-feira, 20 de maio de 2008

Transdisciplinaridade na revista Nova Escola, muito bom viu!



Conhecimento Total

A transdisciplinaridade é vista como o caminho para dominar os saberes que se acumulam de forma cada vez mais vertiginosa

Esta entrevista foi realizada pela jornalista Paola Gentile
A palavra é comprida e difícil de ser pronunciada. Os dicionários ainda não a registram, razão pela qual muita gente pensa que ela não passa de um modismo, sujeito a desaparecer com o tempo. Transdisciplinaridade, porém, é um conceito que surgiu há algumas décadas. Jean Piaget o utilizava para referir-se a um estágio superior das relações entre as disciplinas na escola. Em 1994, uma nova abordagem surgiu, com um manifesto redigido pelos pesquisadores Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu. No texto, eles propõem o diálogo das diversas ciências com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior do ser humano.
Desde então, profissionais das mais diversas áreas têm se debruçado sobre o termo. Em educação, ele é visto como um caminho viável para a construção do conhecimento global, numa época em que os saberes surgem e se acumulam de forma vertiginosa, mas não garantem o crescimento pessoal e a incorporação de valores. No Brasil, Paulo Afonso Ronca é um dos nomes que se destacam no estudo da transdisciplinaridade. Doutor em Psicologia Educacional, ele dirige o Instituto Esplan. Nesta entrevista, concedida por e-mail à editora Paola Gentile, ele nos ajuda a entender um pouco mais sobre o tema.
NOVA ESCOLA> Quando o conceito de transdisciplinaridade foi usado pela primeira vez?
Paulo Afonso Ronca< O educador suíço Jean Piaget o utilizou nos anos 70 para designar um passo adiante na relação interdisciplinar. Existe na palavra uma singela contradição: o prefixo trans pode sugerir transpassar, passar além, transpor, enxergar através. E disciplina vem mostrar um conjunto de regulamentos destinados a manter uma certa ordem. O trans atravessa a disciplina, dilacera-a, impondo uma outra visão sobre ela mesma. O pensamento transdisciplinar nos leva a buscar o universal, uma nova dimensão, quem sabe a transcendental... Aqui temos espaço para um pensamento tão amplo quanto aberto; tão extenso quanto dilatado.
NE> Como definir, então, essa palavra aparentemente incoerente?
Ronca< Ela é mais que uma teoria. É uma abordagem íntima, uma postura. É estado de espírito, uma espécie de peripécia da mente que precisa ser assimilada e vivida pelos que ensinam, aprendem ou trabalham. É uma habilidade que só se concretiza quando se tece um vínculo sincrônico e contínuo entre os saberes. Cada área do conhecimento tem a sua naturalidade, aquilo que lhe é próprio, mas queremos vivenciar, além disso, o saber como um todo.
NE> No que a transdisciplinaridade pode mudar as práticas de educação?
Ronca< Entre outras, espero que essa consciência faça com que recuperemos o que a percepção fechada das ciências nos tirou: a visão cósmica. Se cada disciplina segue uma metodologia e se cada conhecimento desvenda uma pequenina parte da verdade mais ampla, a transdisciplinaridade busca o que é comum em todos os pensares, o lugar onde todas ciências convergem, para que possamos entender a relação do homem com o mundo.
NE> Como podemos trabalhar esse conceito na escola?
Ronca< Não existem métodos específicos para isso. Mas o primeiro passo é acabar com a grave distância entre as ciências. Acredito que, no futuro, não existirão mais Ciências Humanas, Exatas, Biológicas ou outras, como a computacional. Toda ciência é humana. É feita pelo ser humano e para ele. E, por que não dizer, para além dele! O objetivo dessa postura no educar é o de acolher e compreender o mundo como ele se apresenta, com sua história e suas possibilidades. Um dos imperativos para isso é a unidade de conhecimentos, oferecendo uma percepção mais coesa e compreensiva dos mesmos, visando à construção do futuro. A transdisciplinaridade é o fim da visão individual e mecânica, simplista por nascença. A rigidez imposta na divisão das ciências, a inflexibilidade adotada em aula e a severidade de nossas concepções só levaram ao empobrecimento de idéias e à exclusão social.
NE> Quando os teóricos perceberam as falhas do ensino estanque?
Ronca< Há diversos cientistas preocupados com a questão, escrevendo com arrojo e criatividade. O jovem hoje é atingido por densos estímulos visuais, a noção de tempo e de espaço mudou drasticamente e a iminência de uma guerra bacteriológica contrasta, por exemplo, com as facilidades que nos traz a informática. É obrigatório rever como estamos tratando a construção do conhecimento. Os fenômenos que ocorrem no mundo são tão complexos que não dá mais para tentar ordená-los da forma como estamos acostumados, só fragmentando o saber em diversas ciências e disciplinas.
NE> No entanto, a escola permanece dividida por disciplinas. A quem serve esse tipo de abordagem?
Ronca< Tivemos no Brasil a influência das Aulas Régias dos jesuítas e a presença avassaladora e impertinente do Positivismo no geral. Essa divisão e classificação da ciência só serviu para elitizar a escola. Com isso, tornaram-se elite também aqueles que a procuravam e a vivenciavam. Hierarquizou-se a sociedade. Criou-se um jogo com cartas marcadas.
NE> Fala-se muito em interdisciplinaridade. O que ela tem a ver com a transdisciplinaridade?
Ronca< Interdisciplinaridade é um conceito que contribui para uma outra visão de construção do conhecimento. Não é apenas uma mistura de saberes, mas a possibilidade de transferir métodos de uma disciplina para a outra. Por exemplo, a geometria ajudando na observação de monumentos históricos e artísticos; a dialética, que geralmente é usada na compreensão de fatos históricos, adotada para o entendimento de fenômenos literários; ou a informática auxiliando nas artes e na arquitetura. A interdisciplinaridade não quebra o sistema da divisão do conhecimento em disciplinas. Ela o ultrapassa, mas seu fim último permanece inserido no estudo disciplinar — e dependente deste. No entanto, não acredito que seja o caso de fazer da transdisciplinaridade um novo modismo em educação. Não queremos eliminar conceitos e substituí-los por novos. Disciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, tudo faz parte da construção do conhecimento, da epistemologia e do universo cognitivo íntimo do ser humano.
NE> O senhor sugere então o fim de qualquer tipo de hierarquização?
Ronca< Não só eu como qualquer cientista que queira assumir uma consciência transdisciplinar. A transdisciplinaridade não rejeita, mas reúne as teorias, percebendo nelas o invisível, o ponto que lhes é comum. Recusando fragmentações, ela considera diferentes ângulos da realidade, das ciências e das culturas e os aproxima, num movimento subjetivo de interação, de integração, de intersecção. O físico Goswani fala em interconectividade. O pensamento transdisciplinar escapa das garras do que se convencionou chamar de natureza científica, partindo para novas dimensões filosóficas, ideológicas e políticas, que determinem outros parâmetros para a compreensão do ser humano. Nos últimos séculos, tanto a visão do conhecimento como a atuação no mundo do trabalho foram alicerçadas num ponto de vista piramidal, com sólida base conceitual. O que se erguia a partir dela perdia-se em importância social e econômica ou consideração política. O pensamento transdisciplinar conclama o fim das divisões piramidais — Morin fala em fim da separabilidade. Temos de buscar um denominador comum. Eis a questão!
NE> Que tipo de modificações o senhor sugere na organização do tempo e do espaço escolar?
Ronca< Tanto na educação quanto no mundo do trabalho a transdisciplinaridade pode ajudar educadores e líderes a rever suas posições sobre o ser humano. Na escola, busca-se uma profunda mudança nas relações sociais e políticas lá experimentadas. Uma estrutura que divide o tempo em aulas de 50 minutos e utiliza professores horistas está caduca. A escola precisa aprender a movimentar-se em outros espaços, não fazendo da sala de aula a única passarela em que desfila o mundo do conhecimento. Nós, educadores, necessitamos transgredir as fronteiras entre as disciplinas, mas para isso é preciso haver uma formação humanista, que contemple a Filosofia, tanto na graduação quanto na vivência da sala de aula.
NE> Como uma escola pode organizar seu currículo?
Ronca< O currículo transdisciplinar deve alimentar a idéia de que nenhuma disciplina tem mais valor do que as outras e de que a nossa missão não se esgota na explicação de conteúdos implícitos nelas. Com isso, um currículo transdisciplinar sugere a abertura de nossa mente para que possamos abordar, crítica e simultaneamente, dimensões como ecologia, artes, televisão, tecnologia, política, meditação, guerras, relações de amor e de trabalho...
NE> Como esses conceitos podem ser incorporados à rotina do professor?
Ronca< Pensemos no projeto de uma horta escolar. Imaginemos como educadores e alunos participariam dele. Simultaneamente, todos estariam envolvidos nas discussões sobre medidas de áreas e a arquitetura de sua construção; a qualidade da terra e dos insumos necessários; a escolha e a compra de sementes e a incidência do Sol sobre a plantação. Em seguida, leriam textos sobre a importância de verduras e legumes para o organismo humano; iriam à feira saber o preço dos produtos para calcular o lucro dos produtores e vendedores; levantariam hipóteses sobre a possibilidade de consumo do brasileiro comum. O grupo poderia ainda pesquisar sobre outras civilizações que se valiam desse tipo de horticultura para a alimentação. Como poderia ser representado o desenvolvimento de legumes e vegetais artística, gráfica, musical ou até corporalmente? Haveria experiências com sementes para observação de mutações genéticas e parte das verduras poderia ser colocada em estufas para a comparação do desenvolvimento. Seria necessário até conhecer a polêmica sobre as mudanças climáticas provocadas pela absorção da radiação solar, que diversos países têm discutido. Os alunos regariam a horta, acompanhariam o crescimento das hortaliças e, depois de colhê-las e ensacá-las, iriam até o hospital da região para doá-las. Nesse gesto, vai também um pouco de cada humano que participou desse crescimento e que, agora, sente a experiência da cooperação. O envolvimento de todos em todas essas questões unifica os saberes.
NE> A abordagem de um tema deve, então, ser a mais ampla possível?
Ronca< Trazendo o mundo para dentro da sala de aula, discutindo-o e incorporando-o, e educando com base num pensamento transdisciplinar, tendo o humano como o epicentro de discussões dialéticas, estaremos vivendo a transdisciplinaridade. É assim que vai se manifestar a aurora de um novo e revolucionário conceito de humanismo.

Educação e Transdisciplinaridade, Basarab Nicolescu, Gaston Pineau e outros, 185 págs., Unesco, (0_ _ 61) 321-3525, r. 256, 15 reais
O Pensamento Parece uma Coisa À-Toa..., Paulo Afonso Ronca e Cleide Terzi, 264 págs, Ed. Edesplan, tel. (0_ _11) 3885-0982, 20 reais
Rumo à Nova Transdisciplinaridade, Pierre Weil, Ubiratan D'Ambrosio e Roberto Crema, 176 págs., Summus Editorial, tel. (0_ _11) 3872-3322, 23,90 reais
Transdisciplinaridade, Ubiratan D’Ambrosio, 176 págs, Ed. Palas Athena, tel. (0_ _11) 279-6288, 20 reais

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